Categoria Geral  Noticia Atualizada em 27-08-2013

Patriota teve "saída anunciada" e "sem crise", avaliam ex-diplomatas
Luiz Castro Neves, presidente do Cebri, diz que saída de ministro é normal. Antonio Patriota pediu demissão após vinda de senador boliviano ao país.
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Foto: AFP

A ação que trouxe o senador boliviano Roger Pinto ao Brasil neste domingo (25) desencadeou a queda do ministro Antonio Patriota (Relações Exteriores) do cargo. A decisão foi tomada após reunião dele com a presidente Dilma Rousseff, nesta segunda-feira (26). A saída de Patriota foi avaliada, a pedido do G1, pelos ex-diplomatas Luiz Augusto de Castro Neves e Rubens Antonio Barbosa. Para Neves, a situação de Patriota era "insustentável". Barbosa considera que a vinda do senador ao país não "era para criar uma crise entre Brasil e Bolívia."

Neves, que é presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), disse ainda que "foi a crônica de uma morte anunciada. O Patriota é um diplomata muito competente, muito trabalhador. Carecia, talvez, de uma certa liderança não só no Itamaraty, como fora do Itamaraty. Não parecia ser uma pessoa de peso político."

Em nota divulgada pelo Palácio do Planalto, Dilma "aceitou hoje pedido de demissão do ministro Antonio de Aguiar Patriota e indicou o representante do Brasil junto às Nações Unidas, embaixador Luiz Figueiredo, para ser o novo ministro de Relações Exteriores". A decisão foi tomada horas depois do diplomata Eduardo Saboia, diplomata brasileiro que, como interino na embaixada do Brasil na Bolívia, decidiu trazer Roger Pinto ao país.

Sobre a escolha de Luiz Alberto Figueiredo como novo ministro das Relações Exteriores, Neves disse que a escolha não causa surpresa. "Faz todo sentido, ele é muito próximo da Dilma [Rousseff]. Ele acabou de chegar a Nova York e terá de preparar a mudança novamente. Ele foi o homem da Rio+20", afirmou.

Neves falou também sobre a ação que trouxe ao Brasil o senador boliviano Roger Pinto Molina. "O que me parece é que foi uma história mal contada. De início, havia uma pendência, uma percepção de não dar muita importância. O governo boliviano disse que não iria prejudicar as relações entre Brasil e Bolívia. O Brasil também não disse nada. O nosso responsável de negócios [Eduardo Saboia] trouxe por sua conta e risco, como ele mesmo disse."

Surpresa
O embaixador considerou surpresa a reação dos dois governos após a chegada do senador ao Brasil. "De repente aparece uma nota do Itamaraty dizendo que vai apurar o caso, dando a entender que adotaria alguma medida punitiva, o governo boliviano endurece um pouco a sua posição dizendo que a saída do senador boliviano foi ilegal."

O presidente do Cebri afirmou ainda que a ação aparentemente não foi ilegal, pois "o governo brasileiro já havia concedido o asilo e a Convenção Interamericana sobre asilo estabelece que o país onde se encontra a pessoa que pediu asilo conceda o salvo-conduto prontamente, o que não aconteceu."

Neves disse que o "salvo-conduto, por sua vez, é apenas uma garantia do país onde a pessoa está de que ela não vai sofrer constrangimentos até chegar ao estado concedente do asilo. Não é uma exigência que impede a saída. Só impede porque ao sair da embaixada ele pode ser preso, mas se conseguir fazer o trajeto sem problemas, isso não é mandatório."

Ação sem crise
Para o embaixador Rubens Barbosa, "a ação do embaixador [Eduardo Saboia] resolveu um problema político brasileiro. O chanceler boliviano, segundo o Eduardo, deu a entender que o Brasil sabia o devia fazer e o que podia fazer. A ação foi delicada e arriscada, mas o que importa é que a ação deu certo e não é para se criar uma crise entre Brasil e Bolívia.

Tacitamente, os dois países devem estar satisfeitos. Do ponto de vistas de um observador, como eu, a pressão psicológica para o senador boliviano, a possibilidade de que ele pudesse se matar na embaixada. E se isso acontecesse? A ação foi pouco ortodoxa, mas o senador está vivo e a embaixada brasileira está incólume."

Apoio paterno
O embaixador aposentado Gilberto Vergne Saboia afirmou ao G1 que apoia como pai a atitude do filho Eduardo Saboia. Segundo Saboia, o filho "agiu bem, em conformidade com princípios humanitários". "Há momentos em que os limites entre a hierarquia e a Ética ficam um pouco difíceis de precisar", afirmou.

O parlamentar Roger Pinto, de 53 anos, opositor do presidente Evo Morales, chegou ao Brasil sem ter salvo-conduto do governo para deixar a Bolívia. Ele estava asilado na representação brasileira em La Paz há 455 e cruzou a fronteira em carro da embaixada, em ação de responsabilidade do diplomata Eduardo Saboia, com apoio de fuzileiros navais.

Em entrevista ao Fantástico neste domingo, o diplomata brasileiro Eduardo Saboia afirmou que foi dele a decisão de trazer o senador ao Brasil. "Tomei a decisão de conduzir essa operação, pois havia o risco iminente à vida e à dignidade do senador", disse.

"Eu acho que estou sempre ao lado do meu filho. Ele agiu bem, em conformidade com os princípios humanitários. Para assegurar que não houvesse um prejuízo forte ao asilo que foi concedido ao senador e à própria integridade do senador, que estava sofrendo muito", disse o embaixador aposentado.

"Há momentos em que os limites entre a hierarquia e a Ética ficam um pouco difíceis de precisar. Há momentos também de urgência, de necessidade, em que um indivíduo que está sob a responsabilidade de uma determinada repartição precisa tomar uma decisão sem esperar que venha uma instrução precisa. É como um comandante no voo. Não me cabe julgar, mas acredito isso que foi o que ocorreu", afirmou.

O embaixador contou que só soube da viagem depois que Eduardo ligou de Corumbá (MS). A viagem entre a capital boliviana e a cidade fronteiriça durou 22 horas.

"Sem dúvida foi uma decisão corajosa, da qual eu não tinha conhecimento prévio. De conformidade com os princípios da Constituição. Só soube do desfecho da ação quando ele me telefonou de Corumbá, já no fim, com o senador saindo de avião para Brasília, muito emocionado, muito esgotado, evidente", disse o pai.

Aos 71 anos, aposentado, Saboia foi embaixador pelo Brasil em Haia, Países Baixos, e membro da Comissão de Direito Internacional (2007-2011) eleito pela Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), onde também foi representante permanente para a Proibição das Armas Químicas.

Reconhecido por sua defesa dos direitos humanos, ele também presidiu o Comitê de Redação da Conferência Mundial para os Direitos Humanos, em Viena (1993), chefiou a delegação brasileira na Conferência para o Estabelecimento do Tribunal Penal Internacional, em Roma (1998); foi secretário de Estado para os Direitos Humanos entre 2000 e 2001 e subsecretário-geral de Assuntos Políticos do Itamaraty entre 2002 e 2003.

Como já não é mais embaixador, ele afirmou que prefere não falar sobre possíveis consequências do caso, depois que o Itamaraty informou por meio de nota que não autorizou a ação. "Ele recebeu ordens para ir Brasília. Ele teve que dar certas declarações porque o nome dele foi citado na nota do Itamaraty. Ele agora está acatando os trâmites internos do Itamaraty. Sempre foi um funcionário muito disciplinado", disse.

Questionado sobre se faria o mesmo, respondeu: "Creio que sim, porque isso tem inclusive antecedentes, em momentos difíceis como a ditadura". "Tem outros princípios mais superiores [do que a hierarquia] que emanam da Constituição, dos direitos humanos. Isso não é uma coisa que se possa considerar corriqueira, ela é excepcional. Não pode criar precedentes, é excepcional e tem que ser assim tratada."

Polêmica
Na Bolívia, Roger Pinto foi condenado no mês de junho a um ano de prisão por "abandono do dever" e por "dano econômico ao Estado". Segundo a denúncia, ele foi responsável por prejuízo de mais de 1,6 milhão de dólares aos cofres públicos em 2000. Ele responde ainda a cerca de 20 processos por desacato, venda de bens do Estado e corrupção. O parlamentar alega perseguição política do governo de Evo Morales.

O procurador geral interino da Bolívia, Roberto Ramírez, informou nesta segunda (26) que o Ministério Público está analisando o procedimento jurídico para a extradição do senador.
Neste domingo, o Ministério das Relações Exteriores informou, por meio de nota, que abrirá inquérito para apurar as circunstâncias da transferência para o Brasil do senador boliviano. Segundo a AGU, o governo brasileiro não podia conceder carro diplomático, uma vez que há decisões da Justiça boliviana restringindo a possibilidade de o senador deixar o país.

Fonte: g1.globo.com
 
Por:  Maratimba.com    |      Imprimir